"PARA SER GRANDE, sê inteiro: nada Teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa. Põe quanto és No mínimo que fazes. Assim em cada lago a lua toda Brilha, porque alta vive." Ricardo Reis
Tuesday, 1 December 2009
As Metamorfoses de um Touro
As Metamorfoses de um Touro
(extraído de "O Correio da Unesco", de fevereiro de 1981, ano 9, nº2, pág. 32 e 33)
A história do touro teve lugar no antigo ateliê de litografia de Mourlot, na Rua de Chabrol, em Paris, em 1945. Quem a conta é Jean Célestin, artesão litógrafo que trabalhava para Picasso e que disse dele: "Picasso me marcou. Ter trabalhado com ele enriqueceu a minha vida." Célestin não se cansa de repetir: "Ele tem um... quero dizer... tem dons incríveis. Ele é dotado de... ora, é um pintor."
Vale a pena ouvir a história do touro naquele ateliê enorme, onde se vê a tinta em massa brilhante, as máquinas rodando, os cartazes pendurados, trabalhadores em atividade, pintores passando.
"Um dia", diz Célestin, "ele começa o famoso touro. Um touro soberbo. Bem roliço. Pensei que estava pronto. Não estava. Veio um segundo estágio, um terceiro. Sempre bojudo. Picasso continua trabalhando. 0 touro já não é o mesmo. Vai diminuindo, diminuindo de peso. Henri Deschamps me disse que Picasso estava tirando em vez de pôr. Ao mesmo tempo ele ia decompondo o touro. E a cada passo tirávamos uma prova litográfica. Ele via que estávamos um pouco perplexos. Dizia uma brincadeira e continuava trabalhando. Outro touro apareceu. E cada vez sobrava menos touro. Picasso me olhava e ria, e uma vez disse a Henri: 'Vamos dar isso ao açougueiro. A dona de casa poderia dizer, quero este pedaço.' Finalmente, a cabeça do touro estava parecendo uma formiga."
E Célestin conclui a sua história: "Na última prova só restavam algumas linhas. Eu olhava o artista trabalhar. Ele suprimia, suprimia. Pensei no primeiro touro, e disse comigo: é curioso; ele terminou por onde normalmente devia começar, Mas Picasso procurava o seu touro. E para chegar ao touro de um único traço passou por todos aqueles outros touros. E quando se vê esse traço único não se pode imaginar o trabalho que o artista teve."
"Há pinturas que parecem não ter nada mas têm tudo" , disse Corot. 0 processo seguido por Picasso para chegar a esse touro é um exemplo magnífico. Cada etapa tem sua carga de realidade, e cada realidade busca uma nova verdade. E a versão definitiva leva em si a imagem que nos vem à mente quando dizemos a palavra touro.
Texto de Hélène Parmelin
Fotos tiradas de Picasso Lithographe,
de Fernand Mourlot, Ed. H. Sauret, Mônaco
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